Quando Patrícia me vem à mente, sua imagem é a de uma pessoa feliz, cheia de vida, sempre sorrindo. Olhos vivazes, úmidos, cor de mel em contraste com a armação vermelha dos óculos. Lembro de que ela costumava dizer, com um jeitinho todo especial, “eu te amo” a cada beijo que me dava. Seus beijos eram diferentes, fortes, molhados, sugados, daqueles que fazem barulho, para aparecer mesmo. Ela repetia “eu te amo, te adoro, te venero!” E eu, em vão, sem muito jeito para lidar com sua paixão, pedia para ela parar com aquilo, que soava artificial demais, pouco sincero. E era aí que ela embravecia, partia para cima de mim com uma violência querida e simpática e me ameaçava com mais uma leva de beijos estalados. Quando fazíamos amor, então, só ela sabia fazer aquilo, mordiscava levemente meus mamilos, num deles dizendo “adoro mais este!” e logo em seguida “Não, acho que é deste outro!” e partia para o outro seio exibindo seu lindo sorriso de lábios levemente tortos. Eu ria feliz, adorava cada gesto dela. Patrícia era fora do comum. Cheguei a pensar um dia que não era humana como eu. Achava que ela era um ser híbrido, um pouco anjo e um pouco demônio. Capaz de me levar ao êxtase em questão de minutos. De me levar ao paraíso dos prazeres. Mas depois parecia cobrar seu preço. Como agora, a dor da sua ausência. A falta que ela me faz. Recordo bem que passei a chamá-la com um sotaque britânico, com pê mudo e o cê fazendo um chiadinho - /P-trí-chia/. Ela ria com gosto então. E respondia prontamente. “Sim, meu amor, minha vida!”. Era o seu modo de ver a vida e parecia preencher por completo tudo o que antes era apenas vazio e insegurança. Ela me completava. Certa vez, fomos de moto para acampar em São Vicente. Foi a primeira vez em que viajei de moto. Num dos trechos da viagem ela me fez experimentar a sensação de andar a 160 km/h . Quase morri. Uma loucura. E ela diria depois que eu quase a matei de tanto apertar meus braços na sua cintura. Em outra oportunidade, fomos fazer snorkeling numa das praias de Porto Belo. Aprendi a andar a cavalo com ela num hotel fazenda. Passeávamos quando ela percebeu que meu cavalo mancava. Então retornamos montadas numa mesma égua malhada, de crina branca. Eu na sua frente, mas era Patrícia que comandava os arreios. Um dos braços me segurava na cintura. E ela se aproveitava de mim, sussurrando coisas obscenas, só para eu ter de pedir para que ela parasse com aquilo. Momentos inesquecíveis. Um dia, num fim de semana chuvoso, trouxe livros e filmes. Leu para mim versos de Baudelaire, de “As flores do mal”, os quais eu não esqueci mais: o primeiro, “Os meus beijos são leves como as borboletas / que afloram à tarde sobre os grandes lagos transparentes, / os do teu amante cavar‑te‑iam rugas / como trilhos de carro ou cascos de cavalo”; e o segundo, na estrofe: “Maldito seja para sempre o sonhador inútil / que primeiro quis, na sua estupidez / vangloriando‑se de uma questão insolúvel e estéril, / misturar as coisas do amor e da moral”. Na primeira estrofe, ela dissera, “o amor homossexual, tão delicado e afetuoso em contraste com o amor heterossexual brutal e grosseiro; e na segunda, deixava‑se o terreno limpo dos escrúpulos morais, que nada têm a ver com as coisas do amor.” E um outro que deixou comigo também, um livro que trouxera dos Estados Unidos: “A hand in the bush: the fine art of vaginal fisting”. Ela lera em voz alta as partes que mais nos interessavam. Tinha uma fluência em inglês impressionante, enquanto eu apenas gaguejava. Sobre os filmes, proporcionou-me conhecer boas produções francesas e alemãs de amor entre mulheres e várias práticas sexuais que eu desconhecia até então. Como ela, fiquei também fã de algumas atrizes cujos nomes eu decorei: Daniella Rush, Alisha Klass, Belladonna. Aprendi técnicas sexuais de utilização mais eficiente dos dedos, no “Fingering”, e claro da mão toda, no “fisting”. Patrícia tinha ainda um corpo de adolescente. Não era um corpo de modelo de revista masculina. Era magra, demais até. Um pouco mais alta que eu. Dez anos mais nova. Mas o que me encantava nela eram os detalhes, seus olhos, seu sorriso, seu cabelo castanho escuro, curto, liso, escorrido, a lhe cair constantemente sobre rosto. E ela sempre utilizando a mão esquerda e inutilmente colocava alguns fios atrás da orelha. Quase um cacoete. E, claro, a sua jovialidade e o domínio que exercia sobre mim. Quando fizemos fisting pela primeira vez. Ela parecia uma experiente doutora no assunto. Já não me surpreendia em nada com ela. Pediu que eu me deitasse de costas sobre a cama. Sentou-se ao meu lado na beirada. Disse para eu afastar um pouco as pernas. Joelhos dobrados. Lubrificou seus dedos e começou a fazer uma massagem na minha vulva. Muito suavemente. Aos poucos foi espalhando o gel por toda a área dos grandes lábios, depois foi adentrando numa delicadeza exagerada. Era o que me dizia ser o fingering. Durante vários minutos foi introduzindo apenas as pontas dos dedos. Para acostumar a musculatura da vagina, dizia. Eu procurava relaxar ao máximo, mas a excitação vinha em contramão. Eu suspirava demais, quase não me continha. A ansiedade me pressionava para que ela fosse mais ousada e introduzisse mais e mais dedos. Mas ela, enquanto fazia a massagem, ia falando, “fique bem relaxada, curta cada sensação, desfrute de tudo bem calmamente. Assim, asssim!”. Com o tempo, eu já nem percebia quantos dedos ela já tinha introduzido. Enquanto isso, com a outra mão, ficava massageando a região entre o umbigo e o púbis. Sentia o calor das suas mãos. Até que me avisou que ia forçar um pouco mais, mas que se doesse seria só um pouquinho. Até que, sem que eu sentisse qualquer dor, o fez. Nossa! Foi fantástica a sensação. Um prazer extremo. De completude. Gemi forte e deixei escapar um raro “Meu Deus! Que gostoso”. Depois, continuando o processo, com a mão inteira dentro de mim, ela dizia que ia fazer o movimento de fechar o punho, completando o verdadeiro significado do fisting. Colocara o polegar preso por baixo dos demais dedos, fechando a mão. Mas continuava a fazer pressão dos demais dedos sobre o polegar e era este movimento suave que me levou a orgasmos que eu jamais havia tido. Perceberia mais tarde que fora preciso conhecer uma mulher muito mais jovem que eu para me ensinar a viver melhor e me proporcionar tamanho prazer. E assim Patrícia foi marcando minha vida. Ficamos juntas por quase um ano. Até que um dia ela chegou para mim, inesperadamente, dizendo que ia para Fernando de Noronha de moto. Que queria fazer pesca submarina. Era claro que eu não poderia acompanhá-la, disse a ela. Tinha o meu trabalho, meus compromissos. Mas ela mostrou-se decidida como sempre. Ela dissera que já previa minha reação. E eu também sabia que ela não iria desistir da idéia. Também eu sabia que não conseguiria segurá-la junto a mim por mais tempo. Eu apenas evitava pensar no assunto. Como é do conhecimento de todos, nada é eterno. E Patrícia mesmo dizia que não sabemos que surpresas o futuro nos aguarda, e quando e como ele chegará. Então pregava o famoso “carpe diem”, aproveite o dia, curta cada momento, como se fossem os últimos. Procurei fazer isso com o tempo em que vivi com Patrícia. E ela foi embora. Foi no dia seguinte ao aviso. Durante meses não recebi notícias. Até que, há poucas horas, uma ligação no celular. Para liquidar, moendo a gente por dentro. “Ó! Aqui é da parte de Patrícia! Tinha um bilhete nos documentos dela para avisar neste telefone... É que aconteceu um acidente... Um acidente muito grave... Muito grave mesmo. A senhora está preparada? Lamento dizer (...)” Ela estava voltando de Fernando de Noronha. Chocou-se de frente com um caminhão numa rodovia perto de São Paulo. Ela voltava pra me ver... (desculpem-me, mas eu não consigo mais escrever). Emails para catherine.lanou@gmail.com.
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